A razão, da forma como o Ocidente a construiu, tem exigido de todos nós o encontro com a verdade. A verdade inserida nessa razão tem provocado nos humanos uma expectativa frustrada pelo fato de alimentar a ilusão mentirosa de um sentido acabado, eterno e perfeito. O pior é que quando os indivíduos não conseguem atingir a essa verdade e essa razão perfeita, ele adoece por não ter “acertado”.
A partir do instante em que o sujeito aprende que para tudo se existe um modelo com regras definidas, obviamente que ele se encontra limitado a duas míseras opções, ou seja, ou ele “erra” ou ele “acerta”. Infelizmente nosso meio escolar perpetua essa concepção do que seja compreensão e apreensão do conhecimento, criando assim, uma hierarquia triste entre os alunos que “sabem” e os que “não sabem”.
Essa delimitação desumana traz como conseqüência a prepotência das categorias docentes. Como é que eu, o mesmo professor que em sala de aula afirma que a competência de um aluno diz respeito à sua capacidade de “saber” ou “não saber”, posso suportar a idéia de mostrar a esse mesmo aluno que, assim como ele, sequer eu sou capaz de ter o pleno controle da própria disciplina que ministro?
Juntando a idéia de adquirir plenamente o sentido de um conteúdo, com a vergonha por não saber corresponder a mesma competência plena que cobro do aluno, aparece uma coisa chamada autoridade anti-dialógica. Essa autoridade faz com que o educador evite com que a troca de informações seja processada para não passar pelo desconforto de não saber responder as questões trazidas pelos discentes.
Um conhecimento só é provocador de motivações a partir do instante em que o discente encontra sua marca nesse conhecimento. Para se ter essa marca ele precisa participar da sua construção para que passe a se identificar com ele. Se o conhecimento não é dele, o conhecimento não lhe interessa. Portanto, quando o aluno se sente oprimido em poder intervir no conhecimento, ele não se encanta.
Quando o professor impede que a construção discente seja posta em prática no momento em que transmite o conhecimento de um dado conteúdo, o aluno apenas fica em uma condição passiva sempre à espera de aprender saber como fazer e como entender esse conteúdo, e não na forma de vasculhar dentro desse próprio conteúdo, caminhos construídos por ele para a sua resolução.
É por isso que nos deparamos com a grande crise da razão, pois ao mesmo tempo em que ela faz o indivíduo “aprender” a forma como se aplica determinado conhecimento; ela, por não pensar na perspectiva de uma razão construtiva e devoradora do próprio homem, faz com que o mesmo indivíduo que aprende como se utilizar do conhecimento transmitido, desumanize-se cada vez mais.
O indivíduo aprende o conteúdo, mas não produz, nem é capaz de re-significar, ou seja, de re-formular, re-construir esse conhecimento. Ele sabe, mas não se atreve. Ele compreende, mas não inova. Ele tem competência para expressar acerca desse conteúdo, mas não grita. Enfim, o indivíduo se apropria do conhecimento, mas não se conhece, não enxerga seus limites e suas potencialidades.
Eu acho que os educadores têm que entender que o conhecimento, antes de ser pensado como uma verdade pronta que deve ser treinada por cada aluno, é uma perspectiva em processo, é um contínuo e inconstante “sendo”, jamais a finalização de um “é”. Deveriam lembrar que o conhecimento é produto das dúvidas e dúvidas significam a existência de lacunas, não de certezas plenas.
Compreendendo o conhecimento como algo em interminável processo, além de resultado das faltas de certezas e não de certezas, o “errar” deixa de ser visto como algo reprovativo e passa a ser visto como algo re-ativador de novas tentativas, de novas estratégias. Nesse sentido, o “não acertar” não significará mais o “não saber”, mas sim, uma nova possibilidade de reformular esse saber.
A textualidade de um conteúdo, antes de ser reduzida ao seu plano estrutural, ou seja, reduzida a uma leitura limitada ao significado pronto e acabado, deve ser permissiva e estimulante à aventura do discente. Uma leitura de um texto, seja ele de qual disciplina for, deve provocar no aluno a vontade de desmontar a lógica externa do que se enuncia e produzir destroços dentro de sua carne textual.
O aluno é quem deve remontar seus próprios caminhos, tendo a liberdade de desmontar e refazer sua própria combinação sígnica no conteúdo lido. É necessário a semantização do saber, isto é, a produção de sentidos próprios de cada interpretação, a re-significação do conteúdo a partir da própria necessidade do aluno para com isso ele se reconhecer como capaz de construir seus próprios conhecimentos.
Vale lembrar que eu não estou defendendo uma mera atuação individual do aluno acerca do conhecimento. Acredito na importância do docente em saber transmitir o conhecimento de sua disciplina em seu aspecto formalizado. A minha crítica vai é em direção a uma forma de conhecimento meramente automática, instrumentalizada, pragmática e utilitária que retira a criatividade do aluno.
O que eu sou contra é a essa perspectiva da compreensão que insiste em mostrar o “entendimento” de determinado conteúdo unicamente sob o aspecto externo ao aluno, como se o conhecer pudesse ser reduzido a uma forma. Acho que o conteúdo pode ser dado pelo docente e o próprio docente pode permitir ao aluno desmontar o próprio conteúdo dado, gerando assim, novas questões e vice e versa.
O conhecimento que criamos é resultado de nossas dúvidas e as nossas dúvidas são nossas lacunas as quais nos provocam o desejo de criar. Que o discente se perca na sua aventura interpretativa para que ele reconquiste sua autonomia e auto-estima e não fique mumificado pela mera passividade em esperar um sentido de fora pronto apenas para ser meramente aplicado em sua vida.
O importante é o aluno perceber que ele não é “pior” do que o outro por não “compreender” o modelo pronto de um conhecimento, mas sim, capaz de reconhecer que ele pode se perder no processo de aprendizado, não por não ter a competência sobre um conteúdo, mas por que, como qualquer ator inserido na vida, ele constrói, e que essa construção é um processo inacabado de certezas, de vacilos, de gritos e de glórias.
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