terça-feira, 9 de julho de 2013

O surrealismo nas relações conjugais

Todos nós nos encontramos em meio a um contexto marcado pelas mudanças constantes no que diz respeito às concepções de mundo. Nunca estivemos em meio a um emaranhado tão grande de ditos, ou seja, de visões de mundo, de diversos diálogos, como podemos constatar nos dias atuais. Diante dessas mudanças constantes, os sujeitos têm vivido um constante término em seus relacionamentos conjugais.

Entretanto, não compartilho da opinião de que esses términos corriqueiros decorram apenas dessas alterações de identidades nas quais os cônjuges se encontram imersos. O que eu percebo é que paralelo a essa imensa miscelânea de valores que se transmutam incessantemente, as pessoas continuam mantendo certas condutas e formas de encarar as relações pelo ângulo da incapacidade de diálogo entre elas.

Acredito que se as pessoas tivessem acesso a uma leitura mais crítica do surrealismo- movimento artístico e estético de vanguarda proveniente dos anos vinte do século XX na França- no mínimo elas se veriam um pouco mais predispostas a olhar a relação entre duas pessoas de forma menos impositiva, menos controladora; tornando-a mais flexível, mais dialógica, mais plural, mais democrática.

Algumas afirmações muito comuns quando o assunto se trata de relações conjugais são
: agora encontrei a pessoa da minha vida; jamais nos machucaremos; ele ou ela pensa exatamente como eu, etc. Não estou querendo dizer que as pessoas não devam investir sonhos de longo prazo com as outras. Fazer projeto não é o problema; o problema é não dialogar esse ideal com a realidade dos fatos.

Um ponto que me faz acreditar na aplicação do surrealismo nos relacionamentos conjugais diz respeito à forma pela qual esse movimento encara a construção da realidade. Para o surrealismo existem duas instâncias que compõem o psiquismo que são o plano racional, isto é, a realidade a qual expressa sua razão objetiva; e o plano sensível, ou seja,o seu lado mais obscuro e intraduzível.

É devido a isso que para o surrealismo, o sujeito fala o que quer, mas, no entanto, nunca fala o que quer, pois ele se encontra no meio de duas esferas, ou seja, a do dito consciente sobre a qual ele tem controle e a do dito inconsciente a qual ele não tem domínio. É por esse dizer sem dizer que o surrealismo acredita que o sujeito jamais atingirá uma resposta completa e acabada sobre as coisas.

É por esse dizer não dito que o sujeito viverá na busca para preencher essa lacuna. É por isso que para o surrealismo, o sujeito se apropria do desejo para tentar preencher essa lacuna, mas a lacuna jamais será preenchida pelo fato do sujeito viver entre as certezas e as realidades não traduzíveis. É esse reconhecimento da incansável construção, que os cônjuges deveriam pensar em suas relações com os outros.

Os cônjuges, ao compreenderem que são constituídos por parcelas de sonhos produzidos por desejos os quais têm como finalidade, buscar preencher ou ao menos compensar a falta que os constitui, reconhecerão que nunca são sujeitos completos e acabados. Deixarão, portanto, de pensar na realidade falaciosa de uma história conjugal permanente, absoluta, previsível e imutável.

Em outras palavras, a ideia ingênua de uma história para a vida toda cai por terra. já que, por perceberem que os sujeitos são movidos pelo desejo por não serem completos, obviamente que a perspectiva da continuidade e da previsibilidade, cederia lugar a uma dimensão marcada pela ruptura, pela mudança de olhar, compreendendo a inevitável natureza contingencial da realidade.

Ao invés dos cônjuges se frustrarem por acreditar que as semelhanças são eternas, aceitariam a inevitável condição de enxergar a identidade de forma mutante. Compreenderiam que hoje podem ser amados e amanhã não; podem gostar de fazer coisas parecidas com o outro, mas futuramente, devido às constantes mudanças de identidade, poderão apreciar algo completamente diferente.

Reconhecendo que a realidade vivida está diretamente vinculada à ideia do sonho, dos desejos, compreenderiam que, antes dela ser marcada por padrões preestabelecidos para tudo, inclusive para as relações conjugais, ela é feita de infinitas perspectivas a partir do olhar de cada um. Com isso, os cônjuges passariam a se ferir menos quando o outro não compartilhasse das perspectivas exigidas por essas regras.

Ou seja, compreendendo a realidade como uma parte que falta a cada sujeito e como algo construído a partir do olhar de cada um, os cônjuges poderiam evitar muitos conflitos entre eles por não mais se frustrarem com a possibilidade do outro não corresponder com as regras preestabelecidas socialmente, pois estas seriam vistas de forma irrisória e fora da condição humana.

É devido aos pontos expostos que eu acredito que se a perspectiva surrealista fosse exercitada nas relações conjugais, os cônjuges se veriam capazes de conviver com a diversidade. A partir da ótica surrealista, cada um dos cônjuges teria capacidade de visualizar o outro como um constante processo de construção, estabelecendo caminhos para a prática da tolerância e do respeito pela diferença.

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