O discurso é uma estrutura. Pensar em estrutura significa visualizarmos significados e normas que em geral são compartilhados pelos indivíduos de determinada língua ou cultura no ato da comunicação. Se eu falo: quero essa caneta azul; a pessoa a quem eu falo, sabe automaticamente o que é caneta e qual cor que é azul. A estrutura discursiva é muito importante, pois faz com que os indivíduos possam se compreender nas relações estabelecidas entre eles.
Entretanto, além do discurso ser uma estrutura, ele é também produção de sentidos. Por exemplo: quando eu disse que queria a caneta azul, mesmo sabendo que a pessoa reciprocamente entendeu o que eu quis dizer, ela poderia ter uma visão própria, ou seja, subjetiva acerca da caneta azul. Ela poderia pegar a caneta diferente da que eu havia pedido ou achasse que a caneta vermelha fosse mais bonita do que a azul.
Portanto, o discurso, além de estrutura, é subjetividade.
Entre a estrutura e a subjetividade, o discurso se situa em meio a um contexto histórico; a uma ideologia, ou seja, uma visão de mundo ou a uma relação de poder. Eu posso expressar um discurso a favor da não virgindade feminina, mas se eu estivesse situado em séculos atrás, haveria uma grande probabilidade de eu ser a favor da virgindade. Outro exemplo: a forma como a sociedade compreende a política atualmente, na certa mudará sua concepção em tempos futuros.
Esses exemplos estão diretamente vinculados à questão da ideologia. Eu posso defender a virgindade por ser proveniente de determinados ciclos sociais, ou seja, por possuir concepções de mundo diferentes do outro. No que diz respeito às relações de poder, podemos ter como exemplo o discurso das elites dominantes. O setor privilegiado pode justificar a pobreza usando como argumento a preguiça de trabalhar, camuflando a realidade dos fatos, ou seja, de que a pobreza decorre da falta de oportunidades.
Portanto, ao nos depararmos com o discurso, nós temos que reconhecer que ele não representa a verdade em si mesma, uma vez que ele é resultante das condições históricas, isto é, o que é dito como correto hoje, amanhã não será. Outro ponto pertinente está no fato de que os discursos, apesar de sua capacidade em fazer os indivíduos compartilharem seus significados devido à sua estrutura, dizem respeito aos interesses de classe e diferentes visões de mundo.
Por que é que esses discursos mudam? Ora, ao mesmo tempo em que determinada sociedade, como forma de buscar organizar as relações e manter a integridade entre os indivíduos, estabelece estruturas no discurso; esse discurso, a partir do momento em que entra em conflito com as justificativas ideológicas de poder e se mistura com os constantes contatos estabelecidos entre vários indivíduos de inúmeros meios sociais, vai passando por processos de assimilações e re-significações.
Devido a tudo isso eu pergunto: existe um discurso verdadeiro? Existe a possibilidade de encontrar o sentido de um discurso compartilhado de forma igual para todos? Acredito que não, até por que a forma como cada indivíduo interpreta um discurso vai variar de acordo com as visões de mundo apreendidas por ele em seu meio e pela sua subjetividade. É por isso que os discursos vão sendo alterados ao entrarem em conflito e assimilações com às diversas opiniões e interesses.
Aí é onde eu entro com minha opinião acerca das interpretações dos discursos. Se as estruturas fossem preponderantes nos discursos, eu teria que afirmar que a sociedade é e sempre foi a mesma e seus indivíduos sempre pensaram de forma homogênea e eterna; mas ao observar que as interpretações e os discursos variam, o que eu posso afirmar é que a inevitabilidade das re-significações discursivas existe pelo fato de a sociedade ser permeada de conflitos por comportar diversas realidades e visões de mundo.
Pensando isso em uma realidade escolar, nós podemos perceber que a escola, assim como a sociedade, é permeada por uma infinidade de interesses. Porém, paradoxalmente, o que posso detectar é que em geral, os educadores insistem na idéia de fazer com que as estruturas dos discursos prevaleçam, uma vez que a visão do aprendizado se volta unicamente a uma preocupação em averiguar se o aluno interpretou um texto, ou seja, um discurso, de forma “correta” ou “errada”.
Para me sentir mais a vontade acerca desse posicionamento referente ao conhecimento, acredito que preciso responder a seguinte pergunta: qual é o papel da escola? Acredito que a escola, além de ter como finalidade, transmitir os conhecimentos adquiridos e acumulados pela humanidade ao longo da história; deve também provocar no alunado a capacidade dele reconhecer o seu potencial. Para isso, deve estimular nele sua produção de sentidos, sua liberdade interpretativa.
Acredito que, por um lado, o educador deve expor um texto mostrando sua estrutura, isto é, seu significado; por outro, também acredito que, o professor também deve motivar o aluno a ter o direito de se libertar, desestruturando todos os sentidos contidos no texto. Que o aluno compreenda o que o autor do texto quis dizer, mas que ele também questione os limites e os avanços do texto, construindo sua própria perspectiva,indo além de uma mera reprodução interpretativa.
Apesar de reconhecer a importância de conciliar a estrutura com a produção subjetiva do texto, acredito que a subjetivação deva assumir um lugar de grande importância, uma vez que os discursos textuais, assim como a vida, estão constantemente sendo reformulados. Acho importante propor uma quebra dos limites de um texto, pois, possibilitando os alunos re-significarem um texto, eles passarão a reconhecer a farsa dos discursos de classe, tornando-se questionadores, ativos e críticos.
Além disso, ao estimular o processo da criação do texto, poderemos provocar no aluno a capacidade de reconhecer que, devido ao fato dos discursos serem produtos das trocas e dos conflitos, a sociedade é permeada pela diferença. Reconhecendo que todos os discursos podem ser reformulados, perceberão que não existe opinião errada ou correta, seja dos discursos religiosos, políticos ou estéticos, pois percecerão que os discursos não passam de interesses e variam ao longo do tempo.
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