quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

EDUCAÇÃO E MUDANÇA SOCIAL Comentários e apontamentos de citações

Freire, Paulo. Educação e mudança. (p.14). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979 Nessa primeira parte dos estudos freireanos optamos por comentar algumas citações da introdução do livro ‘Educação e Mudança’ por entender que Freire abre seu trabalho destacando pontos que considero crucial para o entendimento de seu dialogismo. Ele inicia nos alertando que a pedagogia necessita do olhar antropológico, da compreensão das relações de poder entre os homens, do entendimento de nosso inacabamento como a raiz da educação, de nossa historicidade, da necessidade de ser mais em detrimento do ter mais, e da busca pelo conhecimento em interação com os outros. Freire diz que não somos objetos da educação e sim sujeitos dessa. O objetivo dessa série de estudos é coletar os postulados freireanos que, segundo meu ponto de vista, servem de fundamento para afirmarmos que o pensamento pedagógico de Freire é dialogista. “Não é possível fazer educação sem refletir sobre o próprio homem”. (Freire, 1979, p.14) Para Freire pensar a educação sem pensar o homem é um grande erro, portanto, a teoria educacional exclusivamente apoiada em bases teóricas econômicas, no pensar de Freire, não nos dá uma ideia nítida do que realmente seja esse fenômeno. Porém, não podemos achar que estudar o homem sem considerar os modos de produção e distribuição de riquezas nos dará uma ideia mais lúcida dele. O homem deve ser dissecado, e suas vísceras, uma por uma, estudadas para que possamos apreender, com máxima clareza, esse fenômeno humano chamado educação. Para tanto, o estudo das leis de diretrizes educacionais pode muito contribuir para uma apreensão mais larga da mentalidade brasileira sobre educação, pois, isto significa um olhar para o passado, para a nossa história. O olhar para a história do homem, é o olhar para sua dialética, é dialogar com suas contradições. O olhar antropológico em Freire, de acordo com nosso estudo, é um olhar para o homem enquanto história. Na realidade brasileira, temos o olhar brasileiro de educação, o que felizmente pode ser visto pelas as sucessivas LDBs. Tomemos como ponto de partida à primeira LDB de nosso país: “Conhecida como Lei 4.024/61, a nossa primeira LDBEN garantiu igualdade de tratamento por parte do Poder Público para os estabelecimentos oficiais e os particulares, o que garantia que as verbas públicas poderiam, inexoravelmente, ser carreadas para a rede particular de ensino em todos os graus. A Lei, que ficou treze anos no Congresso, e que inicialmente destinava-se a um país pouco urbanizado, acabou sendo aprovada para um Brasil industrializado e com necessidades educacionais que o Parlamento não soube perceber. A visão de Florestan Fernandes a respeito da LDBEN contrastou com a dos contendores mais citados da época, em especial, pelo lado liberal, Anísio Teixeira, e pelo lado dos setores conservadores, o deputado Carlos Lacerda, bastante conhecido pela sua preleção contrária a todo e qualquer projeto de esquerda, fosse este sob o cunho populista ou sob qualquer outra rubrica. Carlos Lacerda, diante do resultado, disse: “foi alei a que pudemos chegar”. Anísio Teixeira, no Diário de Pernambuco, disse: ‘meia vitória, mas vitória’”. (Ghiraldelli, 2001, p. 90). Paulo Ghiraldelli destaca o seguinte: - foi uma LDB fora do prazo sem qualquer conexão com a nova realidade nacional; - foi uma LDB que nasceu dos interesses representados pelo confronto entre Florestan Fernandes1(lado idealista), Anísio Teixeira (lado liberal), Carlos Lacerda (lado conservador), e o lado não presente na citação, mas, no contexto da mesma, os interesses da Igreja Romana; - Foi uma meia vitória. ‘foi o que podemos chegar’. Disse Anísio Teixeira. Não podemos deixar de ver que a educação em qualquer país não está separada dos interesses de classe como dizia Marx, Althusser e outros. Por treze anos nossos políticos discutiram uma lei que ao ser sancionada não mais representava as necessidades de nossa sociedade. Ao longo de nossa história nos deparamos com fenômenos semelhantes. Portanto, devo acreditar nas palavras de Freire no que se refere, em um primeiro momento, ao aspecto ontológico do homem brasileiro – O homem ser histórico, transcendente, em permanente mudança; num segundo momento, este homem histórico deixa em sua história as marcas de sua personalidade, e de seus interesses políticos. Nossa primeira LDB é uma comprovação dessa tese. Mas, isso nos leva a duas perguntas chave: “Quais foram os interesses que levaram a construção da lei 4.024/61?” “Qual a razão que levou a sua descontextualização histórica?” O presente trabalho não visa responder a estas perguntas. “(...), algo que possa constituir o núcleo fundamental onde se sustente o processo de educação. [...] Este núcleo seria o inacabamento ou a inconclusão do homem”. (Freire,1979, p.14) Para Freire o sujeito possui a capacidade de perceber a si mesmo e ao mundo. Em ‘Educação e Mudança’ ele não nos diz como o homo sapiens chegou a esse nível de evolução, nem ele expõe uma teoria geral sobre a construção do sujeito. Ele apenas cita que somos sujeitos, e que esse sujeito que somos é histórico, por isso inacabado. No entanto, em ‘A Importância do ato de ler’ Freire faz alusão às experiências na fase infantil como base para o surgimento do ‘homem leitor de mundo’, o que para Freire não significa dizer que esse homem principia o processo como leitor de textos escritos; isso me leva a crer que Freire ver o desenvolvimento ontológico como uma relação entre o animal e o meio, e nessa interação surge, então, o sujeito histórico; o elo perdido, a interfase entre o ser animal e o ser humano não é explicado em Freire. A educação, só existe em nossa espécie, porque esta construiu o sujeito, e uma vez no mundo, o sujeito consegue dizer o que ele é, e o que é o mundo. Para a teoria neo-marxista de Althusser, o sujeito é um construto ideológico. Sobre o homo sapiens incidem os conceitos de mundo, de real, de valores, de certo e errado, o peso da cultura, etc. Dessa forma o neo – marxismo entende que são os modos de produção, a forma de organização política e social, e as instituições que disso derivam que constituem o que a psicologia e a sociologia chamam de ‘sujeito’. Ao não definir de forma clara o que é sujeito, a teoria de Freire sofre uma redução muito grande. No entanto, o mérito de dizer que o sujeito é histórico, portanto, educável e dialógico permanece. “(...), o homem se sabe inacabado e por isso se educa. Não haveria educação se o homem fosse um ser acabado. (...). O homem pode refletir sobre si mesmo e colocar-se num determinado momento, numa certa realidade: é um ser na busca constante de ser mais e, como pode fazer esta auto reflexão, pode descobrir-se como um ser inacabado, que está em constante busca. Eis aqui a raiz da educação”. (Freire, 1979, p.14) O argumento freireano do ‘sujeito em construção’ que confronta de forma cabal o maniqueísmo puritano e o criacionismo calvinista é uma força propulsora para uma abordagem dialógica em educação. O sujeito em construção é o sujeito do diálogo, da experiência, da tentativa – o que faz da realidade uma escola natural da vida. O ‘ser mais’ para Freire diz respeito às descobertas que o sujeito pode fazer de si para melhorar sua realidade; a forma como lida com ela, ou, em outras palavras, a possibilidade de transformação histórica como uma fenomenologia do homo sapiens – nada permanece como é, até as pedras descascam – o homo sapiens é um animal ‘ser – em – construção’. Sendo assim, o diálogo é possível e necessário, pois, o dogma, a verdade inquestionável não pode ter existência material num mundo em experiência. Essa é a força maior que move a ciência e a filosofia. Os postulados filosóficos de Freire sobre educação na introdução de sua obra são os seguintes: A educação é: a. uma resposta da finitude da infinitude; b. (a educação) é possível para o homem, porque este é inacabado e sabe-se inacabado; c. (isso implica) uma busca realizada por um sujeito que é o homem; d. o homem deve ser sujeito de sua própria educação; e. não pode ser objeto dela; f. ninguém educa ninguém. A educação não cessa, mesmo fora do contexto formal de educação, o sujeito continua na via do aprender e do apreender. O sujeito é um ser epistêmico, gnosiológico. E isto é externado no mundo objetivo pela nossa erotização (não aplico aqui o conceito freudiano de erotização relacionado às neuroses), mas, apenas digo que o homem sente prazer em conhecer, em descobrir; isso o realiza, o dá prazer. O conhecer para Freire é compartilhado, é adquirido e realizado em conjunto com outras consciências. Conhecer para Freire é estar em interação, em diálogo. No processo de aprender e apreender, o homem é sujeito. Se a ordem for invertida, para Freire, não há educação, ou pelo menos, será uma educação opressiva, pois, o homem objeto da educação é o homem alienado por ela. O ‘ter mais’ que forma um par com o ‘ser mais’ diz respeito à ganância dos homens de locupletarem bens materiais em detrimento do oprimido, do pobre. Uma sociedade utópica, solidária está o imaginário freireano. Freire não separa a educação dos processos sócio – econômicos das sociedades e neles as contradições do capitalismo. Para Freire, mais vale uma busca permanente de si mesmo; uma busca que não seja solitária, pois esta poderia traduzir-se em ‘ter mais’. O ‘ter mais’, um ethos capitalista, segundo Freire, coisifica as pessoas; é, portanto, o ‘ter mais’, a causa da miséria no mundo. O coisificar pessoas atua em duas polaridades distintas no pensamento de Freire: O coisificador (dominador) é coisificado, pois, sua consciência passa a achar normal e legitimo o ato de explorar o outro pela via ideológica e material – o coisificador é o dominador que perdeu sua liberdade de andar no mundo por causa de sua ganância de sempre ter mais; essa é a origem das desigualdades sociais e suas mazelas. E o coisificado, acéfalo, alienado – o que está no curral do sertão, o boi para a matança. Uma nação erguida sobre esses pilares não vai muito longe! Pois, os sujeitos que constituem o tecido social enfermam o mesmo; essa doença, como um câncer necrosa todo o corpo. Por isso, a busca pelo conhecimento em Freire deve ser em comunhão para a comunhão entre os homens, onde o coisificador e a coisa se educam para serem livres; dessa forma, homens críticos e cidadãos do mundo. “Esta busca deve ser feita com outros seres que também procuram ser mais’ em comunhão com outras consciências, caso contrário, se faria de umas consciências objetos de outras, seria coisificar as consciências”. (Freire, 1979, p.14) Meu caro Souza, eu sou um humilde pedagogo sem muitas pretensões, com toda humildade percebi em nossos estudos sobre o dialogismo que ainda tem muito chão pela frente. Todavia, no final desse pequeno apontamento, separei alguns indicativos do dialogismo em Freire, o que comprova minha tese que esse pedagogo brasileiro compartilhava de ideias muito a frente de sua época. Na presente geração o dialogismo é uma necessidade epistemológica: - o ser histórico dialético é condição precípua para a existência de diálogo no mundo; - a natureza da educação como discurso interpessoal, como processo entre pessoas ou sujeitos; - a necessidade de se não coisificar as pessoas – uma semente monológica está na reificação; - O compromisso ético com o mundo nos exige o diálogo; - a natureza da episteme é dialógica. O conhecimento não pode ter uma única via. Referencias: FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. 12ª Edição. Paz e Terra. Rio de Janeiro, 1979. Jr, Paulo Ghiraldelli. Introdução à Educação Escolar Brasileira: História, Política e Filosofia da Educação. Versão prévia, 2001. FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 23a ed. São Paulo, 1989. [1] Seu comprometimento intelectual com o desenvolvimento da ciência no Brasil, entendido como requisito básico para a inserção do país na civilização moderna, científica e tecnológica, situa sua atuação na Campanha de Defesa da Escola Pública, em prol do ensino público, laico e gratuito enquanto direito fundamental do cidadão do mundo moderno. http://pt.wikipedia.org/wiki/Florestan_Fernandes

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