segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Meu nome é desejo, muito prazer!

Cheguei ao mundo para brincar de me enrolar por entre os nós. Não condeno quem acha que vive livre deles. Quem quiser acreditar na verdade absoluta e na possibilidade da harmonia eterna que acredite. Cada um escolhe sua própria ilusão. Quanto a mim, eu fico aqui enrolado. Eu sou o caos, sou a indagação, sou o problema. Eu vim pra cá foi pra deixar suspeitas. Não é da minha intenção cobrir o universo com agasalhos e dar-lhe colo. O que eu quero mesmo é retirar a cada instante o seu véu, rir com a falta de garantia, brincar no recreio jogando para o alto todas as peças desse jogo, revirar todos os dados e sequer pensar na pretensão acomodada de que eu posso ser previsivelmente o início, o meio e o fim.

O caos... certa vez, não sei bem quando, nem onde, vozes tentaram arrancá-lo de mim. Por medo dos olhos sedentos de ordem, eu quase deixo levar esse patrimônio mais sublime que preservo em minha alma. Em crise, corri para dentro do meu quarto. Fiquei na cama pensando se deixaria minha desordem. Ao pensar em me levantar da cama, não me vi deitado a lugar algum e em lugar nenhum. Pensei: não seria eu esse querer existir? Como podem aquelas vozes ter a pretensão de retirar de mim todas as infinitas surpresas do tentar me encontrar e do me desencontrar? Por que farei imensa tolice em deixar de lado a busca que faço de mim? Não!

Nem saí, nem entrei. Fui, sei lá. Sentindo-me um mero joguete dos tempos verbais, decretei a todo o universo de nós que me cercava que eu precisava correr o risco. Eu precisava correr o risco! Não cabia a mim sugerir uma perfeita integridade. Dei-me conta de que eu era uma luz em inconstante estado de desintegração. Gritei, pois eu queria o azar. Precisava mais do que nunca de todo o perigo. As estradas, apesar de maquiadas de sentidos, eram variáveis e cheias de deslizes. As placas eram apenas rastros. Meus pés eram festas surpreendentes por novos motivos pelos quais eu alimentava o meu exercício de viver, apesar de eu perceber que nunca tinha adquirido a plenitude desse dom.

Para quê ceder ao Senhor Totalidade toda essa herança de traquinagens? Não havia sentido eu fazer com que minha vida passasse a ser uma história falseada de atos ordenados e de total apreensão das minhas memórias. Preferi viver a custa do falseamento de mim em sua originalidade pela busca do que nunca fui. A sorte que me cabia era apenas necessária para derramar toda a minha contradição em meio a algum lugar. Sempre fui dado a bagunça. Não era agora que eu teria que deixar as coisas intactas sem pretensões, sem ganâncias. Não cabia a mim encontrar a régua, o metro, o termômetro, o numero de meu pé. Precisava movimentar para lados possíveis e desconhecidos.

Triste daquele que se apega a uma verdade. Minhas mãos não a alcançam. Pelo menos as minhas mãos não alcançam. A probabilidade do encontro com a totalidade é tão opaca e cercada por miragens como a falta de certeza que me devora aqui por dentro, pelos lados, pelo que há de preenchido e pelo que há de oco. Olhos são ferramentas para acertar o caminho das nossas ações, mas são incapazes de definir com total exatidão tudo isso que foi criado por olhos cambaliantes e bêbados como os meus. As classificações exalam cheiros muito reais. As tipologias me soam organizações muito auto-suficientes. Entretanto, bastam-me aparecer os sonhos e eu logo passo a sentir algo além das meras certezas, definições, organizações e auto-suficiências.

De fato, posso dizer que a busca pela noite que não vem, pelos sonhos que não se realizam, é algo bastante cansativo e por demais desconfortável, mas é o que me resta. Se ao menos eu fosse a certeza do trajeto que se chega até a montanha, bem que eu poderia descansar na varanda da menina que tanto amo e esquecer do fluxo que me invade diante desse imenso universo. Bem que eu poderia deixar o mundo enquanto acalentava os cabelos cacheados e castanhos de Marina na rede da varanda de sua casa. Mas não é só isso. Ao mesmo tempo em que eu alimento amores e projetos com minha menina, eu corro em busca de amores perdidos, amores que penso um dia poder dizer o quanto eu estive aqui a procura.

É por tudo isso que reluto em aceitar a condição de um estado permanente das carícias e do amor de Marina. Eu sei que isso apenas não me caberia. Se esse amor que tanto devoto suprisse toda a minha sede de aventuras dentro desse espaço solúvel do qual não consigo fincar minhas raízes, bem que eu cederia toda essa minha busca. Bem que eu cederia todo esse desajuste do qual venho tentando me libertar, mas sei que não me liberto, pois eu não quero tentar me ajustar. Eu quero realmente o processo que, apesar de muitas vezes me fazer chorar, faz-me acreditar que há um sentido pra vida, nem que pra isso eu admita que sentido é tudo o que a vida não tem.

Minha história com Marina é muito bonita, mas ironicamente o amor existe para que nosso terreno chamado coração não possa ser destruído por ervas daninhas as quais chamamos de amor. Eu quero o encanto de todos os olhares de Marina, mas eu quero a vida cheia de outros amores, de outras curvas, de outras aventuras. Não posso querer menos que isso, pois menos é algo que eu já sou, mas não do que eu penso em ser. Quero ser agraciado com o acaso também. Eu preciso das mãos e do sorriso de Marina, mas preciso dos imprevistos, de outras surpresas, de novos encantos e maravilhas além da minha menina. Não posso ficar aqui.

Novamente não vejo a noite chegar. Olho-me no espelho, mas também não sei se o que vejo é o que eu tenho pra mostrar de mim ou o que o mundo precisa inventar pra mim. Preciso realmente da aventura, dos gritos, da dor, do amor, da minha casa, da minha ferida, do gelo, da oração, do canto dos pássaros, de Marina, de sua casa com sua rede na varanda e da sua singela serenidade. Mas apesar de cansado, olho bem distante tudo que eu não sei o que é, mas que sei que quero ser e ter. Ponho o infinito em minhas costas e vou à procura do querer, mesmo que para isso eu tenha que me deparar com o medo do que eu quero.

Meu nome é desejo, muito prazer!

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