Quando eu era criança eu nem percebia que o tempo passava. Eu via que as
pessoas construíam casas, compravam carros, sítios e outras coisas; via
até que elas iam mudando a aparência; elas envelheciam. Um dia fui
visitar minha vó que morava num povoado muito distante da sede do
município. A pobrezinha mal conseguia falar, e nem se lembrava de mim,
mas, justiça seja feita, ela teve oito filhos e cada um fez família e o
que teve menos filho, foi Teodolito, que Deus o tenha, o tifo o pegou e o
levou para o lar eterno. O encontro com aquela velha senhora que não
significava muito para mim, pois, convivemos muito pouco, e ela num era
de muita conversa foi um tanto entediada. Eu ouvia a conversa dos
adultos, não entendia muito que eles diziam; na verdade eu gostava mesmo
era de brincar com os primos, mas, infelizmente naquele dia nenhum
deles estava lá. Meus pais se despediram da vovó e disseram: “Vai
Raimundo Nonato dá um beijo na tua vó!” Eu os obedeci, mas, a velha
fedia a virilha mal lavada. Eu disse segurando na mão de minha mãe:
“Adeus vovó!” A velha levantou a mãozinha acenando para mim com um olhar
desfocado. Essa foi a última vez que a vi.
Um dia eu presenciei
algo que ficou na minha cabeça por muito tempo. Eu gostava muito do meu
velho, mas, odiava quando ele me levava para “rinha”. Ele era viciado em
briga de galo, uma vez apostou o carro, um Ford 66, mas o perdeu; seu
galo caiu defronte uma torcida fanática que apostara no famoso “galo de
seu Antônio”; meu pai havia treinado o seu Jiló, mas, o Jilozinho não
suportou três rodadas e virou frango assado. Nesse dia ele brigou com
minha mãe: “Mulher, o feijão está sem sal!” “Já pensou comer feijão
desse jeito!” Eles não brigavam muito, mas de vez em quando, eles tinham
algumas briguinhas.
O tempo foi passando, e meus irmãos mais
velhos foram saindo de casa. Aos dez anos ganhei uma calça faroeste
legítima, e uma camisa que tinha um jacaré no lado esquerdo bem no
peito. Eu adorava vestir aquela roupa, mas, minha mãe era cuidadosa e
econômica, ela dizia: “Essa não!” “Vista a bermuda marrom, pois, essa
roupa é para as festas!” Quando ela dizia festas, eu me perguntava que
festa; toda vez que os dois saíam; eu ficava só. Meu irmão mais velho já
era casado, o outro tinha uma namorada, minha irmã, a mais velha vai
das mulheres havia ido estudar em Aracaju, então, sobrava para mim a
velha televisão e o gato, que, aliás, enquanto viveu, foi um bom amigo.
Eu o enterrei no quintal e encomendei sua alma ao céu dos gatos.
Enquanto
minha pessoa crescia, eu observava o costume do povo, não sei por que
razão, mas, eu achava os costumes de minha terra uma tolice. Sentar na
calçada para falar qualquer coisa, depois comer e em seguida voltar para
a calçada, e depois comer novamente, e voltar para a calçada,
finalmente, chegava a hora de dormir, contudo, quando havia qualquer
movimento, dava para se ouvir o estalo da janela ou da porta de alguém.
Essa era a vida do povo de Campos de Rio Real.
Na adolescência
tive uma namorada, sua imagem permanece até hoje na minha cabeça. Dulce
era doce como mel. Ela foi um consolo em minha vida após a morte de meu
pai; meu velho resolveu, de uma hora para outra, fazer exercícios; deu
uma carreira, e o coração quase saiu pela a boca. O enfarto foi
fulminante. Dulce esteve comigo o tempo inteiro. Todavia nossas vidas
tinha que tomar rumos diferentes; ela queria de todo gosto ser
missionária transcultural; eu por outro lado, gostava de vender e
comprar coisas. Tornei-me um comerciante; vivi o quanto pude de minha
lojinha que ficava próxima ao Banco do Sucesso. Um dia desses, me
disseram que esse banco quebrou; rapaz, eu fiquei muito triste; ele era
um banco tão bom.
Meus irmãos se espalharam pelo mundo, eu fiquei
na minha terra. No Natal, toda a família se reunia para comemorar.
Aquele era o momento de nos abraçarmos, contarmos nossas vantagens.
“Raimundo, minha criação de cavalo tá dando; rapaz, eu nunca vi coisa
tão boa para se ganhar dinheiro!” “Raimundo, como vai a lojinha?” O
Natal era assim, uma mistura de vaidade e de saudade dos tempos bons que
vivemos. Depois cada um ia para seu mundo, e, eu para o meu. Casei,
tive dois filhos, minha mulher Clarice, teve um derrame aos quarenta e
sete anos; mas, graças a Deus, não lhe faltou nada durante o período em
que ela ficou entrevada na cama. No dia do seu enterro, choveu muito em
Campos, tivemos que esperar os parentes que vinham de longe. O cortejo
na Avenida Sete de Junho foi muito grande, éramos conhecidos por todos,
todavia, em Campos, muita gente vai para o enterro dos outro por
“solidariedade cristã”. Isso virou tradição, você dá pêsames a alguém
que não tem nenhum laço de afeto com você, mas, costume é sempre
costume.
Minha menina era a cara da mãe. A danada era sabida
desde o primário. Gostava muito de estudar, por isso, eu a matriculei no
Colégio Monsenhor, a melhor escola para a sociedade local. Ela se
formou professora e, quando chegou à política, eu pedi ao meu compadre
para arranjar para ela uma vaga de professora numa escola pública. Hoje
graças a Deus ela já está quase se aposentando. Nunca tive contrariedade
com o meu menino Raimundo Filho. Ela passou a me ajudar na loja; pensei
até que ele seguiria o ramo, pois, o danado não abriu uma farmácia. Em
Campos, o que mais dá é cama, mesa e banho, bar, e farmácia. Meu negócio
num era nenhum desses, o meu comercio era vender artigos para
presentes. Com isso vivi, e agora com oitenta anos estou esperando a
danada chegar. Fiz até um contrato com uma funerária que, segundo o
povo, faz maquiagem no defunto.
- Raimundo!
- Para de conversar! Entra! Num tá vendo que tá serenando?
- Já vou mulher! Olha meu amigo foi muito bom prosear com sua pessoa. Mas, como é seu nome mesmo?
- Raimundo Nonato.
- Oxente! Então, você é meu xará.
- E num é rapaz!
- Raimundo, eu num disse que você viesse para dentro? Rapaz para de falar sozinho, e vem dormir!
Nenhum comentário:
Postar um comentário