Em meio a uma sociedade que, apesar de falar acerca da diversidade e da diferença, mostra-se inibida em aceitar as contradições que a permeia, o adjetivo torto tende a ser recorrentemente colocado como oposto do reto, ou seja, da ordem, do que concebemos como correto. Portanto, ser torto em uma sociedade maquiada de felicidades e de harmonia, significa se comportar de forma errada, de forma a chocar os padrões e as etiquetas preestabelecidas socialmente.
O que a sociedade precisa é de pessoas que ajam de forma torta. Antes de pensar o adjetivo torto como algo contrário ao que se legitima como correto, eu penso o torto enquanto um processo constante de se entortar. O se entortar implica em reconhecer as contradições que pairam em nossa vida pessoal e em nosso convívio social. Ser torto é admitir a contradição e revelar a contradição. Ser torto não é ir de encontro à ordem, é questionar a ordem por se reconhecer dentro dela.
Portanto, o torto implica em reconhecer que vive a se entortar e que esse entortar implica em repensar as certezas impostas pela sociedade, compreender de forma altera a diversidade de opiniões, mas sabendo que possui preconceitos, e que o fato de questionar a ordem, não significa nem se submeter meramente a ela, mas também não significa desrespeitá-la simplesmente. Ser torto é viver bêbado estando lúcido por reconhecer que vive constantemente a se entortar.
Ser torto é admitir que não necessariamente o que é certo é certo e não necessariamente o fato de se agir errado é errado. Respirar a realidade de forma torta é reconhecer que o nosso cotidiano é permeado de infinitas possibilidades. Ser torto é ter consciência de que apesar de sonharmos com a perfeição, nós estamos constantemente oscilando. Olhar a vida de forma torta é encarar a realidade dos fatos de forma dinâmica caracterizada por inúmeros conflitos, inúmeras contradições.
Agir de forma torta é saber que pode ter o controle das coisas sabendo que o controle se encontra no meio de contingências. Ser torto é admitir classificações, admitindo que as classificações não são plenamente reais por não passarem de meras criações humanas. Porém, ser torto é saber que, apesar das classificações serem construções, elas também são reais, pois é através delas que nos norteamos em nosso cotidiano. Ou seja, apesar de fantasias, elas são reais, e apesar de reais, elas são fantasias.
Ser torto é andar na corda que, apesar de bamba e oscilante, é segura. Por outro lado, ser torto é andar com os pés no chão, sentindo a realidade dos fatos, porém, sem segurança alguma. É enxergar o abstrato e se perder no concreto, é sentir o concreto e se diluir no que não se enxerga. É buscar a virtude sem deixar de lado a convicção de que é também dono do fracasso e admirar o fracasso por saber que é através da experiência com ele que se pode conquistar a virtude.
O indivíduo torto anda, anda e chega ao seu lugar de destino, mas depois de tanto andar percebe que o seu lugar de destino também é outro. O indivíduo torto se localiza no mundo, pois possui uma bússola que carrega para todos os cantos, mas o seu mapa se encontra recortado em inúmeros pedaços. Entortar é sonhar e realizar os desejos tendo convicção de que ao realizar seus desejos, logo se vê diante de outros desejos, de outros caminhos, de novas perspectivas.
É por isso que eu digo que o torto não é algo que esteja vinculado ao que é errado. O ser torto é algo que apavora uma sociedade obcecada pela ordem, além de apavorar uma elite detentora de prestígios que faz de tudo para que os indivíduos acreditem que a realidade é composta de harmonia e perfeição. Contudo, entortar o olhar é reconhecer que o ideal é real e que o real é também ideal. É reconhecer que o real, apesar de aparentemente ser real, também guarda o imprevisto.
Agir de forma torta é se entortar e entortar o outro. O ser torto se entorta a partir do instante em que ele reconhece que transita entre a virtude e o vício, entre a certeza e a incerteza, entre a dor e a alegria, entre o medo e a coragem. Agir de forma torta é se encontrar consciente de que os problemas da realidade não se resolvem da noite para o dia, mas que não significa que essa realidade não possa ser alterada. O torto a questiona, afinal, ele a reconhece como contraditória também.
O adjetivo torto tende a se encontrar vinculado a uma idéia pejorativa, pois o que os donos do poder querem é que exista uma sociedade alienada que enxergue a realidade de forma naturalizada, linear e perfeita. O que os donos do poder querem é que os indivíduos se encontrem apenas submetidos à ordem instituída. O ser torto não se submete, pois ao reconhecer que não é perfeito, ele sabe que a realidade também não é, uma vez que ela é construída por sujeitos como ele.
O ser torto não encara a realidade de forma naturalizada por ele detectar que a vida não segue um rumo previsível e exato, mas sim, permeada de conflitos, desavenças, ambigüidades, poder e exclusão. O ser torto sabe que vive de acordo com as normas, mas sabe que não é por que se encontra submetido a elas que ele tem que aceitar de forma passiva tudo que impuserem a ele. O ser torto sabe que para se viver a vida, ele necessita se entortar para que com isso possa negociar e encontrar novos caminhos.
Antes de associarmos o adjetivo torto como algo oposto ao que se é certo, devemos pensar o torto como um adjetivo que se verbaliza de forma ativa, pois o torto antes de ser meramente torto, implica em querer se entortar e admite se entortar, pois se tem uma coisa que a realidade não é, é coerente, linear e perfeita. Ao contrário. A realidade é contraditória e os valores se entortam a todo instante quando nos conflitamos com o que queremos e com o que a ordem nos impõe.
Fico muito feliz do retorno de nosso torto. Logo agora que estou muito engajado com minhas pesquisas na area educacional. Um abraço, te devo um comentário sobre teu texto quando retornar a noite eu comento, abração.
ResponderExcluirMeu caro Vina disse muito bem do que o termo torto tomado por esse grupo representa. Agora acredito que estamos mais conscientes do que representa entortar e entortar-se muito bem colocado por Vina. O torto pensa a educação de forma torta. Perseguimos o ideal linear equidistante, mas nos deparamos com incríveis precipícios. Abração Vina.
ResponderExcluir