quinta-feira, 9 de maio de 2013
MILAGRES
Nunca ninguém viu a Deus materialmente. O Ser Supremo; pai de seus filhos e de todas as criaturas do universo, não aparece com muita regularidade como alguns pensam. Deus está aqui, e estando aqui, Ele basta para sua criatura. Pelo menos é o que vemos num curto espaço de tempo chamado vida. A vida é um caminhar na matéria com o objetivo de um novo encontro com Deus; Nele estão todas as explicações e respostas sobre nossa existência. Como diz Paulo, o corpo fenece, mas, o vento inteligente, a personalidade, a pessoa, o sujeito, o “em si” devir é eterno.
A matéria não pode ser eterna porque ela é constituída de elementos agregados que obedecem as leis de atração e repulsão. Assim, a matéria é, ora, um grupo agregado de elementos, ora, é a desconstrução; são elementos desagregados. O espírito vive eternamente; durante sua vida ele aprende sempre mais. Viver é aprender; é experimentar; é se encontrar com Deus.
Mais uma vez citando Paulo, mas, o mesmo diz que: “Nele existimos; Nele nos movemos, pois, Nele todas as coisas existem pelo beneplácito de Sua vontade”. Assim, o foco da vida é estar em harmonia e sintonia espiritual com seu Criador. A voz de Deus pode ser ouvida em todos os lugares da terra e do cosmos.
Embora Deus tenha se revelado na natureza ou em seu livro sagrado, Deus e sua mente só podem ser abstraídos por uma mente que seja proporcional ao seu poder; por isso, o que temos Dele são lampejos; luzes na escuridão, mas que nos mostram o caminho do bem, e de uma relação amorosa com Ele. Pois Deus, a Inteligência universal, O Criador de tudo só pode ser, totalmente, entendido por si mesmo.
O que o homem diz de Deus é conforme o tempo e o espaço. Deus tem uma face em cada época. Por isso, a imagem de Deus é tão diversa quanto nossa capacidade de criar sentidos. Nossa compreensão Dele depende de como vemos e lemos nosso mundo e sua lógica de existência. O Deus de Abraão, não é o Deus de Zé da Silva que mora no povoado Murici. Em seu ‘Em Si’, Ele é o mesmo e não muda, no entanto, nosso olhar para Ele é mutável. Deus é o ‘Em Si’, que não é ‘devir’, mas possui muitas faces. Isso ocorre devido a nossa primitiva tendência de humanizar a tudo que existe fora de nós, que está no mundo externo. Até a pedra virou Deus em determinada época. Essa é uma pulsão primitiva. A racionalização do Sagrado serviu para termos uma visão mais próxima do ‘Ser Deus’ sem os abusos dos fanatismos, ou das aberrações religiosas. A capacidade humana de humanizar Deus é filha do instinto animal que sonhava nas antigas e perdidas cavernas dos tempos da Pré - história.
Por isso, o discurso religioso, seja esse qual for, é uma mistura da totalidade dos discursos produzidos até hoje sobre Ele. Dizer de Deus é produção de discurso; e se é produzir discurso é ideologia; é ideologizar Deus. O respeito às religiões é necessário por causa da finitude e fragilidade do ser histórico – o homem; porque o discurso como produção humana é temporal; Deus é uma ideia que construímos em certo tempo e lugar.
Mesmo dizendo, pois, o dizer não cessará, uma vez que, o eterno sempre será o que é; mas, por isso, o que dizemos Dele está sujeito à falseabilidade; o mesmo que ocorre com a ciência e com a filosofia. Essa experiência é fundamental para o equilíbrio e bem estar de nossa espécie. O ‘em si histórico’ precisa do eterno, do ‘Em Si’ que não é devir. Nós temos a necessidade, seja cultural ou natural de dizer sobre Ele.
Nossa espécie ainda possui as marcas do culto a natureza, e o misturar Deus com ela. A racionalização do sagrado entende que todos os dizeres sobre Ele são legítimos enquanto produção de sentidos da mente humana. Entendemos que a temporalidade do dizer mostra nossa limitação de dizer tudo. Somos incapazes de dizer tudo sobre Ele.
Embora limitados e naturalmente levados por nossos impulsos, podemos experimentar Deus por meio de sua manifestação maior – Cristo. Cristo é o homem que nos mostrou o ‘Em si’ com o seu ‘Eu sou’. Ninguém jamais diria ‘Eu sou’ sem o ser. Dizer isso sem o ser é loucura ou jactância pueril. Cristo – Eu Sou é a objetivação do ‘Em Si’ em sua forma mais plena. Cristo é a plenitude de Deus.
A manifestação do Eu Sou numa Jerusalém nas mãos dos Romanos não foi por acaso. O ‘Eu sou’ como o ‘Em Si’ possui múltiplas faces, isso é devido à diversidade das culturas e épocas humanas. O Eu Sou manifestando-se em pleno Império Romano foi estratégico para que seu conhecimento se espalhasse pelo mundo. Conclui-se, então, que o dizer Dele depende de nossas relações materiais.
A inspiração do Espírito Santo ensinada nas escrituras é dada a um homem histórico, portanto, a iluminação divina dialogará com homens diferentes com diferentes representações de mundo. A teologia que se cristaliza numa estrutura sincrônica da sociedade humana, se perde enquanto construção de um pensar maior sobre Deus. Isso é a Criatura pulsando pelo seu Criador sem conseguir seu intento. Deus pode ser melhor visto no eixo diacrônico das transformações sociais.
Se as relações materiais são variáveis constitutivas de nossa teia discursiva, o dizer Dele não seria diferente. Assim, não existe discurso religioso ‘zero’ – um marco zero do pensar Deus, ou o primeiro discurso; nem existe pureza discursiva sobre Deus. A diacronia dos discursos sobre Deus mostra a estrutura hibrida das diversas teologias. Isso pode ser muito bem visto na arquitetura dos templos religiosos e/ou nas doutrinas sistemáticas; nas teogonias, e nos ensinamentos morais das mais diversas religiões. O conceito de certo e errado no discurso religioso como fenômeno temporal e cultural não está totalmente estruturado num canon religioso. A leitura do canon é uma leitura de mundo, um recorte do mesmo. Não é o canom que em si se expressa e produz sentido, mas, é o sujeito em relação dialógica que produz sentido para o canon.
O discurso religioso tem tendência hegemônica. A história das religiões prova esse argumento. O Deus Grego Apolo podia falar livremente em detrimento do Deus popular Dioniso. O Deus Apolo ditava as regras e as normas – ou o que deve ser. A tendência hegemônica da religião é embrião da formação e constituição do Estado e da Civilização. Entretanto, foi fonte de mortandade, e muita infelicidade na terra, e ainda o é.
Posto isso, infere-se que foram os discursos sobre Deus que deram sustentação e legitimação aos diferentes estados constituídos pela humanidade. Os estados são milagres da religiosidade humana; não são apenas constructos das relações com os meios de produção, pois, o discurso religioso é base de sustentação do Estado de direito, do certo e do errado ou do ‘que deve ser’.
O olho esotérico de Isis até hoje está à espreita olhando os atos humanos; a onisciência de Deus faz a mesma coisa. O discurso religioso nasce da crença que estamos ante o crivo do olhar sagrado, e que esse olhar para o sujeito sanciona sua conduta; delimita suas escolhas, e forma seu superego. Essa dimensão psicanalítica do sagrado foi muito bem posta por Lacan na teoria do ‘O Grande Pai’.
Conclui-se no momento, que foi o discurso religioso umas das variáveis constitutivas do estado, e é evidente que contribuiu para as desigualdades sociais. A mesma religião que ensina a Caridade é a mesma que, de certa forma, legitima a desigualdade, a relação meritória do homem com realidade, e as classes sociais. Esse é um dos milagres da religião; ser ambígua em si, como o nosso hipotálamo; os mesmos neurônios que, ora são ativados para a libido ou o prazer, ora são ativados para a agressividade; tudo depende da representação ou do estímulo que incida sobre ele.
Alguém disse que a humanidade evoluiu do mito para a religião e desta para a ciência e filosofia. Essa linearidade só existe na mente humana. O dizer do homem sobre as coisas é como sua atividade onírica; sempre será constituído por fragmentos que se apresentam confusos, tão confusos quanto nossa humanidade. Diga-me, por favor: “Qual a racionalidade da guerra, ou do crime, ou do consumo exagerado, ou da destruição da natureza?”
Dizer sobre Deus é o maior milagre que Ele produziu na natureza. O termo milagre aqui não é o mesmo que fenômenos que transcendem as leis da matéria. O milagre de dizer sobre Deus é o mesmo de dizer sobre tudo. Deus criou no mundo um homem, um ser capaz de pensa-lo e produzir discursos sobre Ele. A teologia que nega o dizer como ponto de partida para ‘o pensar Deus’ se torna estática e não dialoga com as transformações materiais da realidade. E se ela é construída dessa forma, em vez de apresentar Deus ao homem, o afasta Dele, pois, Deus mesmo não sendo devir é movimento como todas as coisas o são. Deus se apresenta no mover do tempo dos homens; no seu tempo é impossível Deus se expressar a humanidade terrena.
Os Hebreus usaram o ‘dizer sobre Deus’ para legitimar seu estado na Palestina. Seu discurso foi tão poderoso que grande parte da humanidade chama aquele pedaço de terra de “Terra Santa”. Se olharmos com mais cuidado para o texto bíblico, veremos que os hebreus são descendentes dos caldeus, pois, Abraão, seu patriarca, era filho de Ur dos caldeus. Sendo assim, o território que hoje é reconhecido como hebreu nunca pertenceu a essa etnia. Vemos com isso que o dizer sobre Deus é um ato político.
Mais uma vez fica claro que não é o canon quem diz por si; assim como a palavra por si não tem sentido. Ora, se a palavra só tem sentido em uma relação discursiva, da mesma forma o dizer sobre Deus só tem sentido enquanto produção de discurso, ou enquanto relação dialógica entre os homens.
Proponho uma teologia que se pauta na epistemologia das contradições dos nossos dizeres. Na certeza de que o dito do homem não é inocente e que Deus transcende a todos os nossos enunciados. Dizer Dele é tentativa; isso não significa que não possamos tocá-lo aqui e ali. Deus se manifesta aos homens de muitas formas; sua imanência é tão palpável quanto sua transcendência é intangível. Essa aparente contradição serve de motivação para que a humanidade continue dizendo sobre Ele.
O dialogismo entende que Deus está em permanente comunicação com sua criação, pois, foi Ele mesmo que nos pôs em relação de diálogo com tudo e com nós mesmos. Espero que este pequeno e breve ensaio, meu caro Souza, possa contribuir com suas pesquisas. Paz e Luz!
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